numa daquelas ruas onde a manhã
é mais funda e comprida
trazias um carro pela mão
e o fundo do mar nos bolsos
lias como se tivesses os olhos fechados
e o corpo preso nas tuas olheiras,
insónias vivas
– creio que me afogo se não as largar
eu já fervia no teu sangue
como uma âncora
impossível pensar o espaço
sem uma linha:
para trás é futuro, para a frente poema
feitas as contas o resultado
era um lugar novo
como um abraço oferecido
ao náufrago
ao náufrago
(trazias um braço de papel
e o outro
de quem não faltasse)
mas a logística da vida mecânica tortura
o momento
dizias que passámos dias inteiros juntos
onde eu não estava
a tua solidão era um gesto de criança
um acto de criação nossa
onde mal cabias sem poder morrer
tu que outrora conseguiste dançar numa pista de silêncio
como se ardesses o tempo
fazendo do corpo uma pira para onde jorravas
o doce osso de um velho agosto
como se ardesses o tempo
fazendo do corpo uma pira para onde jorravas
o doce osso de um velho agosto
em prol de um animal melhor
– queimavas setenta camuflagens numa só noite e saías
fumegando fresquíssimas memórias de guerra
prontas a contar para esquecer num só verso
restava apenas uma poeira cinza cósmica
e na sujidade do teu arrasto construíram
cidades até ao limite exterior do teu nome
sem nunca conseguir entrar nele por mais
que uma noite no céu de um país estrangeiro
e estival
nos meses de verão era proibido usar
o teu nome em qualquer expressão
nem para a libertação da angústia
tudo
para esconder o dia em que a tua lápide
suporta a terra
suporta a terra
ainda hoje atiro o teu nome às pedras
para o fazer calar
e desfazer o teu rosto no espaço
que reaparece como uma súplica
em cada sítio que bate
que reaparece como uma súplica
em cada sítio que bate
é a infância
que vem até ti
um gesto por cumprir
o inferno por arder
eterno retorno que começa
por te cansar
antes de o entenderes
sempre tarde demais
talvez a repetição seja a nossa grande criação
a escolha de um fio
a cabeça suspensa
e o corpo em queda
as pessoas como tu caíam em si
como abismos no firmamento
pois removam-se os escombros
e tragam-se os santos
Sammuel C. Dayton
– diários de um corpo menor
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