para RJ
Tu ligavas sempre tarde e
bêbado,
a tua voz exuberante de
dor,
Eu tapado a sonhar,
escutava-te como se
fosses um fantasma.
Hoje à noite um amigo
ligou para dizer que o teu corpo
foi encontrado no teu
apartamento, onde
já estavas morto havia alguns
dias. Tinhas perdido o teu emprego,
parado de escrever, não
vias ninguém há semanas.
Foi coração, disse ele. A
bebida tinha-te destruído.
Conhecemo-nos numa cidade
universitária,
Onde tivemos os nosso
primeiros empregos a ensinar,
Os poemas fluíam de uma
dor consagrada
Por mito e álcool. Eu
invejava a maneira
como as mulheres olhavam
para ti:— um urso cego de raiva,
que despedaçava a madeira
cada vez mais tenebrosa.
Uma vez trocamos poemas
como quem troca fotos de mulheres
cuja beleza punha à prova
a fé em Deus. "Lê este
sobre como a amizade
entre os jovens não pode durar,
há-de arrancar-te o
coração ao peito! '
Uma vez ligaste para
dizer que J se tinha ido embora,
a dor ficou presa à tua
garganta como uma lâmina de barbear.
Uma mulher estava a
chamar-me de volta para a cama
e eu disse-te que te
ligava depois. Mas nunca o fiz.
O cheiro profundo e
desamparado a musgo e pinheiro
Nas traseiras da tua casa
de pedra, tu dedilhando
e cantando Lorca,
Vallejo, De Andrade,
como se cada sílaba
soubesse a sangue,
como se tu tivesses todo
o tempo do mundo. . .
Tu sabias bem que os teus
anjos te tinham amado
mas também sabias que
eles abandonariam
quem quer que fosse que
não pudesse ser salvo.
Philip Schultz
tradução de António de Castro Caeiro
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