sábado, 1 de outubro de 2016

ele passava as férias grandes sempre fora, não necessariamente 
no estrangeiro, não pelo menos no geográfico. riscara a palavra "férias" 
do dicionário. o estrangeiro era construído pelo trabalho ou como ele lhe 
chamava a invocação daquela dimensão fora de tudo e sem ninguém. 
quando um dia regressou ao verão do seu país, já não havia lá ninguém,
era como se a dimensão espiritual tivesse impermeabilizado tudo e todos.
a praia não era só a praia, os sítios não eram só sítios e as pessoas
não eramsó pessoas. eram significados irreais. já só havia férias e verão
e realidade objectiva no horizonte onírico da intoxicação. realidade
objectiva que era também um mundo entre outros e não o mundo.
agora passa as férias sempre dentro de si,nunca se desloca
a não ser no tempo. não há fora. só há dentro. e tudo é estrangeiro.
Também ele de si próprio é estrangeiro.

António de Castro Caeiro

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