sábado, 1 de outubro de 2016

dois poemas para António De Castro Caeiro
no dia da celebração do seu quinquagésimo aniversário

I

da certeza nasce a tragédia ou
a espuma indizível que sucede a qualquer
lavagem por detonação

da incerteza nasce um novo pensamento
sem ninguém dentro

a dúvida não resolve a pergunta
que ela própria coloca

na ideia há um corpo inerte que se acende
como uma casa

ao movimento vergamos o pescoço vagarosamente
na batalha do corpo contra o chão,
suspensos apenas pelo arco lúcido entre os pés, firmes,
noctívagos
- como estaleiros erguidos a cada passo
para a construção de um milímetro de humildade

maltratado, tomo atenção ao rosto e
ao tempo - inventado sopro da intenção

que o seu rasto vem sempre antes de chegar
armadilhado
de uma qualquer manhã

onde não chegámos a estar

II

tudo anda em frente
um único eixo de movimento
gera as constelações das coisas
e do vento

só existe presente
só um campo corre pelo rio
como um fóssil da imaginação

as suas margens são duas longas mãos a vexar a água
como uma serpente
para matar a sede que serve de rota ao navio de um homem só,
único entre os outros mas o dobro de si mesmo - o homem sábio,
o amante symposiasta

a sua sombra, bífida
é agora longa e líquida
um lírio-de-água cantando ao luar
e os olhos - como ondas do corpo
são a própria face do mar

todos teremos de pagar
custas de pele antes do fim
a nossa conversa, porém
ainda está longe de acabar

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