sábado, 8 de outubro de 2016

um espinho no coração, ursinho leão

a onda era o meu único público na tua escuridão
no seu leito a paisagem rebentava e, sem acordar,
dava-me chapadas como se me bebesse
para me reconhecer
eu crescia de pé, pelo meu próprio pé - pelo menos um só
defronte do seu ventre já distante
e por entre os teus dedos uma chuva miúda
corria de novo pelo meu rosto, dez anos depois
para os derreter
dez anos depois, no vento corria ainda
uma espada por forjar
doce e fugidia como um afecto 
antes da sua primeira ressaca
e, ao fundo da noite, o fragor
de uma bainha líquida e inigualável que, perseguida
se ultrapassava a si própria por dentro para me receber 
eu entrava inteiro no mar 
como se lhe pertencesse
entrava como se nada fosse
era de noite e eu entrava no mar
como se te fodesse
e não tivesse de voltar a terra
- estilhaço de vidro por fundir

para sobreviver


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