Bebíamos para ultrapassar
as mazelas da carne
alheia
e chegar aos cristais
conversar
com a noite nos cabelos
e nos dedos
sem luz demais a bater-se
contra o negrume doce
de uns lábios fechados
rumorejando versos
de palavras por dizer
quero – essa forma infante
de imaginar
um lugar
que só depois
de conhecer
pela primeira vez, saberei
existia desde sempre
vejo talvez as tuas mãos
abraçando o meu pensamento
precisas, imensas
desenhando uma boca
para saber beijar
e dizer o segredo
da ponta dos teus dedos
quero tudo que tenha
uma profundidade
quase impossível
quero visitar-me no teu pensamento
saber como são as minhas mãos
no teu pensamento
no teu pensamento
também elas precisas?
também elas imensas?
limito-me a ver as tuas mãos
que desconheço,
limito-me a ver as tuas mãos
que desconheço,
côncavas e belas
sobre o meu pensamento
que se torna teu também
e te ofereço assim
como se o inventasses
uma coisa nova
descoberta entre duas pessoas
subindo pelo seu próprio nome
cumprindo a tradição líquida
e baptismal
ofereço-me sobre – e sob
as tuas mãos
sou um gesto loiro
no teu regaço
o mesmo gesto
as tuas mãos circulando
o meu pensamento inacabado
para o aconchegar
dar-lhe um endereço
um lugar onde chegar
e voltar despido
de peso
um pensamento que nasce
onde lhe queres tocar
as tuas mãos em lugar
dos meus pulmões
aí onde deixo de existir
sou um lugar sem lugar
e voo
tenho dois gatos
em vez de asas
e um lugar sob as tuas mãos
para repousar
onde até os anjos dormem
quase sem respirar
é um lugar onde existe
ar para os dois e, ainda
alguns pensamentos
de grande fôlego e gestos
concêntricos
que se podem ler
um desenho, por exemplo
uma pintura onde cabemos
com os nossos dedos e cabelos
uma ideia de poema integral
como um nu
onde cabem duas pessoas
numa só ideia ainda
por secar
embora te veja nítida
nesse gesto
vejo-te por dentro
como se o visitasse
depois de o inventar
no fim das tuas mãos
enfermeiras mãos
do meu pensamento
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