sábado, 15 de outubro de 2016

Bebíamos para ultrapassar 
as mazelas da carne 
alheia 
e chegar aos cristais 
conversar 
com a noite nos cabelos 
e nos dedos
sem luz demais a bater-se 
contra o negrume doce 
de uns lábios fechados 
rumorejando versos 
de palavras por dizer
quero – essa forma infante 
de imaginar 
um lugar 
que só depois 
de conhecer 
pela primeira vez, saberei
existia desde sempre
vejo talvez as tuas mãos 
abraçando o meu pensamento
precisas, imensas
desenhando uma boca 
para saber beijar
e dizer o segredo 
da ponta dos teus dedos
quero tudo que tenha 
uma profundidade 
quase impossível
quero visitar-me no teu pensamento 
saber como são as minhas mãos
no teu pensamento
também elas precisas? 
também elas imensas?
limito-me a ver as tuas mãos
que desconheço, 
côncavas e belas 
sobre o meu pensamento
que se torna teu também
e te ofereço assim
como se o inventasses
uma coisa nova
descoberta entre duas pessoas
subindo pelo seu próprio nome 
cumprindo a tradição líquida 
e baptismal 
ofereço-me sobre – e sob 
as tuas mãos
sou um gesto loiro 
no teu regaço 
o mesmo gesto
as tuas mãos circulando 
o meu pensamento inacabado 
para o aconchegar
dar-lhe um endereço
um lugar onde chegar
e voltar despido 
de peso
um pensamento que nasce 
onde lhe queres tocar
as tuas mãos em lugar 
dos meus pulmões 
aí onde deixo de existir 
sou um lugar sem lugar
e voo
tenho dois gatos 
em vez de asas
e um lugar sob as tuas mãos 
para repousar 
onde até os anjos dormem
quase sem respirar
é um lugar onde existe 
ar para os dois e, ainda 
alguns pensamentos 
de grande fôlego e gestos 
concêntricos 
que se podem ler 
um desenho, por exemplo 
uma pintura onde cabemos 
com os nossos dedos e cabelos
uma ideia de poema integral
como um nu
onde cabem duas pessoas
numa só ideia ainda 
por secar 
embora te veja nítida 
nesse gesto 
vejo-te por dentro
como se o visitasse 
depois de o inventar 
no fim das tuas mãos 
enfermeiras mãos 
do meu pensamento 

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